A Fogueira
Com o machado partiste a madeira irregularmente. Madeira irregular, como os dias da tua vida, iria agora morrer com o fogo. Pousaste o machado e limpaste o suor que te incomodava, tal como todas as amarguras da tua vida irregular. Juntaste os troncos sem forma num molho e ateaste o fogo. Ele surgiu. Primeiro tímido e, de seguida, com uma voracidade capaz de engolir o mundo com as suas chamas. O fogo cresceu e o fumo dissipou-se pela atmosfera. Sentaste-te na terra húmida e atiraste o machado para bem longe, como castigo das bolhas que te fizera nas mãos.
Sentaste-te e esperavas, infantilmente, que eu visse esse teu fumo e o reconhecesse. Esperavas, inutilmente, por mim. Sabias certamente que eu não iria chegar tão cedo com esse fumo que me intoxica a inundar o ar. Sabias que eu não iria reconhecer esse teu fumo que me agonia, a tantos quilómetros de distância. Em vão, atiçavas o lume para este não se apagar. Desejavas que eu fosse ter contigo mas não apagavas o lume, porque a outra parte de ti não me queria e afastava-me,
A lenha gemia, dilatando ao lume, lamentando morrer daquela forma.
E tu, ali imóvel e confuso, não apagavas o fogueira para que eu voltasse.
Adormeceste e acordaste exaltado, com medo de não ter a companhia da tua fogueira. O vento apagara-a e eu senti o seu apagar. Sentaste-te e esperaste por mim, em vão, à volta da fogueira que não foste tu a matar. O pedaços irregulares lá ficaram, todos chamuscados e desiludidos com a vida, como tu e eu. Voltaste as costas à fogueira e partiste em direcção à cidade tentando emendar mais uma irregularidade da tua vida.
Abri-te a porta e sentámo-nos no sofá confortável. Sentimos o calor humano, como se estivéssemos à volta da fogueira. Deste-me a mão ainda com cheiro a fumo, pronto a reparar esta irregularidade do amor, porque só assim dá para limar estas irregularidades: com o toque; e não com sinais de fumo vindos de uma fogueira irregular.
E há por aí tantos sinais de fumo em vidas irregulares...
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