A Forca

  Imaginemos uma situação de vida ou de morte bastante comum. Imaginemos duas pessoas amigas que se encontram em cima de um pequeno banco - cada uma no seu - , com as mãos atadas e uma forca ao pescoço. Está certo que, retirando o banco de debaixo dos seus pés, estas duas pessoas irão morrer. Viradas de frente uma para a outra, revivem os velhos tempos de amizade e tentam arranjar uma solução para escaparem da terrível forca. Um deles diz ter uma faca no bolso de trás. O outro, bastante aliviado, pede-lhe que, com a faca, lhe corte o seu baraço. O indivíduo da faca esforça-se então para a retirar do bolso, por chegar ao baraço do companheiro de forca e começa a cortar, sem nada pedir em troca. O indivíduo que está prestes a ser solto observa cuidadosamente todo o processo e desliza o seu pé para o banco do indivíduo com a faca. 
  Está quase, pensa ele, quando sentir que a corda está a ceder, empurrarei o banco, ele morrerá e eu sairei daqui finalmente. E assim foi. O indivíduo da faca estendeu-se ao comprido no ar após o seu banco lhe ter sido roubado dos pés. A faca aterrou também no chão com um rápido estalido de metal. O indivíduo traidor continuou, por momentos, em cima do banco a observar a cena do crime, orgulhando-se da sua vingança (talvez desentendimentos antigos. Já nem se lembrava da causa do seu rancor pelo amigo.) 
  Mas, agora, tudo estava bem. Que ingénuo foi o António - assim se chamava o falecido -  por ter confiado no seu amigo cegamente. Mas que poderia o António fazer? Talvez cortar o seu baraço primeiro. Mas porque o faria, pensando que o seu amigo lhe era leal e apenas se queria libertar? O António foi caridoso e morreu sabendo, mesmo por pouco tempo, que morreu atraiçoado e que só o soube graças a ter morrido! Aquele baraço para sempre ficou no seu pescoço de boa alma, tal como o baraço do seu assassino quando percebeu que afinal a sua corda ainda estava intacta. Não conseguia chegar à faça que estava no chão deitada. Rendeu-se, por fim. Suicidou-se o judas traiçoeiro; não por ter assassinado o amigo de coração, mas sim por desespero de ficar toda a vida atado àquele nó tão compacto que é a vida, que o impedia de viver completamente. Por vezes, temos de ser nós próprios a desatar o nosso nó e deixar o dos outros em paz. Eles que cuidem do seu próprio nó, porque se de alma o quisermos desfazer, de coração ele desfazer-se-á e só depois poderemos pensar no nó dos outros, caso ele valha a pena.


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