O Som da Noite

  Escuto o som da noite; é um acorde em harmonia, é um vazio cheio de música. Ouço as estrelas a brilhar. Brilham tanto que gritam do céu até aqui. Preenchem a noite vazia com um batalhão de notas soltas que voam da via láctea até à minha janela. Não preciso de a abrir para as ouvir. Ouço-as quando fecho os olhos; ouço-as quando penso em ti e nos gritos que eu sei que dás em silêncio, no vazio do teu quarto, tal como as estrelas que brilham a gritar no vazio da noite.
  As estrelas não podem chorar, mas se pudessem choveria sempre, de dia e de noite, fosse verão ou inverno. E tu, que tens lágrimas, não ousas soltá-las nunca. E tu, que tens lágrimas, só as queres esconder no vazio da noite. Mas eu ouço as tuas lágrimas; tal como ouço o grito das estrelas pela minha janela. São gritos afónicos de quem se quer soltar de uma agonia. São acordes desafinados feitos à pressa numa pauta amachucada pelas tuas mãos a ferver em suor. Não queres chorar; não queres quebrar a magia da noite vazia. A noite vazia é feita disso mesmo, por isso, chora e grita. A noite é vazia para quem não a sabe ouvir. A noite é um vazio cheio de lamentações que lamentam a vida e é cheia de pensamentos, como os teus e os meus, que escapam da mente a uma hora já avançada da madrugada; saem pela janela e vagueiam pela noite. Fazem companhia às estrelas. Fazem parte da composição da noite. Os pensamentos são as notas afinadas e desafinadas que salpicam a pauta. Os acordes são os pensamentos que se juntam para não terem de vaguear sozinhos. É este o silêncio da noite que tem de ser ouvido; é o silêncio que eu ouço vindo da minha janela. São os acordes descompassados que se tentam encaixar na melodia que me encantam. Eu escuto o som do silêncio, e tu?
  Por fim, no auge da melodia, os meus braços queixam-se de arrepios, assim como o meu coração, por vos ouvir a gritar, estrelas, que estão aí em cima e vêm o meu miocárdio de dentro para fora; de fora para dentro. Quando decidem parar de gritar através do brilho surgirá a pausa que não quero ouvir e calar-vos-á para sempre; aí sim, a noite será silenciosa e um vazio cheio de nada. Fecho a janela e a noite vazia desaparece.




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