Abri os olhos e vi
Desci a rua como se estivesse
cheia de pressa, ou como se a pressa estivesse cheia de mim. Descemos a rua
como se só existissemos nós. Talvez passasse alguém, de vez em quando. Talvez
nos tivessem desejado os bons dias. Bom dia senhora pressa! Bom dia senhora
dentro da pressa! Mas estávamos tão concentradas em nós e na pressa de descer a
rua, que não demos por vivalma.
De
vez em quando, ajeitava a mala no ombro. A pressa fazia-a descair logo de
seguida, a toda a pressa, só para me chatear – pois é isso que a pressa faz.
Como se nada mais existisse no mundo, entrámos no metro cheias de ansiedade para
arranjar lugar. Finalmente, sentei-me e coloquei a pressa dentro da mala e, com
todo o vagar, abri a carteira para contar os trocos. Quando abrires os olhos
verás. Era o que dizia o papel forasteiro que encontrei na minha carteira.
Pensei que era uma parvoíce. Tinha andado de olhos abertos a manhã inteira,
caso contrário teria caído ao descer a rua com a pressa...
De
repente, reconheci aquela caligrafia redonda. Era a caligrafia do vagar –
aquele que tem sempre vagar para tudo, até para deixar bilhetes metafóricos nas
carteiras. Então, abri os olhos e vi. Vi tudo o que perdia com a pressa. Vi a
forma da calçada, geométrica; vi o nascer do sol por entre os ramos das
árvores; vi os velhotes a dar comida aos pombos; vi aquilo que era impossível
ver, como o amor no olhar de um casal; vi a vida em câmara lenta, como se nunca
tivesse aberto os olhos antes. Vi a vida como se todo este tempo tivesse estado
com os olhos fechados. Abri os olhos e vi.
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