Estranha Realidade


                O estúdio estava escuro e desarrumado como sempre, e Josefa, a empregada de limpeza, abriu as janelas como de costume, e começou a arrumar. Era segunda-feira: o dia de arrumar o estúdio. Os projectos do menino Pedro estavam espalhados pela secretária e Josefa decidiu deixá-los no mesmo sítio. Não queria que o menino Pedro, quando chegasse da faculdade, não soubesse onde estavam os seus papéis e entrasse em pânico, como já acontecera. O marido de Josefa também ficava em pânico quando a mulher tirava do sítio as suas revistas sobre mecânica, apesar de ser analfabeto.

 O menino Pedro, como Josefa sempre dizia, estudava para arquitecto. A dona Josefa era empregada naquela casa desde ele nascera. Na realidade, aquele estúdio era o quarto de Pedro, mas ele sempre gostou de lhe chamar estúdio, pois dava-lhe um estatuto mais importante. Naquela manhã, ao fazer a cama do Pedro, Josefa deparou-se com uma estranha realidade: debaixo da almofada, da sua cama de solteiro, encontrou um colar de pérolas e um ovo cozido. Já tinha encontrado muitas coisas debaixo da almofada do menino Pedro. Quando era pequeno, Josefa encontrou no mesmo lugar uma barata morta e uma bola de ténis. Mais tarde, encontrou também um porco-espinho de borracha e um molho de espinafres. A lista é interminável: cenouras, chaves, perfumes, bolos, anéis, pulseiras, iogurtes e até nêsperas. Agora deparava-se com um ovo cozido e um colar de pérolas.

                Josefa nunca perguntou ao menino Pedro porque escondia ele tais coisas debaixo da almofada, e a única explicação possível para Josefa era que o menino Pedro não tinha os parafusos todos no sítio. Talvez o ovo cozido ali estivesse para o caso de ter fome durante a noite. Talvez o colar de pérolas fosse para oferecer a alguém.

Ou talvez o ovo cozido estivesse ali porque o menino Pedro é mesmo maluco. Ou talvez o colar de pérolas estivesse ali porque o menino Pedro o roubou…

Enfim, havia imensas explicações possíveis, mas para Josefa, nenhuma delas era suficientemente lógica. Fez a cama e deixou o ovo cozido e o colar de pérolas no mesmo sítio. O seu trabalho era arrumar, limpar, e não fazer perguntas desagradáveis.

Quando Pedro chegou da faculdade encontrou-se com Josefa no corredor. Vinha cansado e com vontade de dormir até à hora de jantar.

- Boa tarde, Josefa!
-Boa tarde, menino Pedro!

Pedro despiu-se, enfiou-se na cama, e sentiu algo debaixo da almofada. Levantou-a e, estupefacto, viu um ovo cozido e um colar de pérolas. De olhos esbugalhados, retirou os objectos e colocou-os na mesa-de-cabeceira.


Pedro não entendia porque é que lhe apareciam objectos estranhos debaixo da almofada com regularidade. Talvez fosse a doida da empregada, ou talvez ele fosse sonâmbulo. Não queria ser indelicado para com Josefa, mas teria de lhe pedir para parar de colocar aquelas coisas na sua cama. Ou então consultar um psiquiatra.


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