Um Observador da Vida


Ando pelas ruas como uma mosca varejeira, febril e enérgico como uma máquina industrial que quer fazer tudo ao mesmo tempo. Nos braços carrego os materiais que me irão permitir descarregar tudo isto para o quadrado de uma tela. As estrelas desta noite encadeiam-me como se milhares de pirilampos estivessem a explodir no céu, espalhando as suas pequenas entranhas de luz pelo céu.

De repente, eu e os meus materiais de pintura somos empurrados por um bêbedo cambaleante que ia a passar.

– Tenha mais cuidado! – aconselhei.

O bêbedo voltou-se para mim, sorrindo como uma criança que brinca na rua até tarde e exclamou:

– Sorria mais, meu senhor! Já viu aquela luz, ali ao fundo?

– Qual luz? A que vem do céu, ou a que vem do café? – perguntei, confuso.

– As duas, claro! São luzes da vida! É para lá que eu vou! Para o meio da vida! – disse, por último, rindo e afastando-se de mim.

Olhei para o terraço do café e tentei distinguir aquelas duas luzes. O bêbedo tinha razão: eram duas luzes que se misturavam em plena rua!

O desejo de pintar uma paisagem noturna assaltou-me a alma, os olhos e todos os poros da minha pele, à semelhança de um homem a ser possuído pelo demónio para todo o sempre. Continuei a andar até chegar ao café cheio da luz artificial dos candeeiros, tão amarela que me lembra o vómito azedo de um alcoólico. Aquela luz refletida no rosto dos clientes deu-me náuseas e senti que ia desmaiar, pois estava encadeado pela vida à minha frente.

Observei o terraço que se assemelha a um dos cafés descritos num romance de Guy Maupassant, mas eu, Vincent, sei que esta noite e este café, aqui e agora, no ano de 1888, nunca foi nem nunca irá ser visto por ninguém tal e qual como eu o vejo; nem mesmo pelo bêbedo que me empurrou. Monto o cavalete e preparo as tintas. Olho em frente e aplico a tinta em camadas grossas sem alisar a superfície, tal como a vida pinta a realidade: se perfeição total, mas cheia de vivacidade.

Pinto a escuridão como se fosse de dia, sem usar a tinta preta e sim as cores mais vivas do meu estojo de pintor. As pessoas estão sentadas na esplanada e são 12, no total, tal como na última ceia. A luz artificial e a luz das estrelas em combustão fundem-se no meio da rua, como se a natureza decidisse casar com a artificialidade da vida humana por um instante.

Sem usar o preto crio a escuridão e pinto aquele terraço com amarelos, verdes e laranjas, tornando-o ácido como um citrino. Estas cores não estão lá assim, tão nitidamente, mas eu pinto-as como um bêbedo as pintaria e vejo as estrelas a tremer lá em cima, como se tivessem medo de mim!

Um cavalo aproxima-se vindo da negritude ao fundo da rua, transportando os seus viajantes, expondo-os à luz artificial do café, contaminando-as com aquele ambiente pomposo que me deixa enjoado. Algumas pessoas passeiam pela rua e conversam como se fossem locutores de um rádio importantíssimo.

Esta visão noturna incita-me a pintar toda a escuridão daquela rua e a torná-la num pôr do sol. Aquele terraço parece uma alucinação de cores que torna tudo exageradamente real: o toldo do terraço amarelo, o chão laranja como um dióspiro, a calçada multicolor como um gato pardo e as casas escuras como um velho abandonado… e eu ali sentado, como um observador da vida que não conseguia resolver a sua, terminei o quadro pintado a óleo e dirigi-me ao café para agradecer ao bêbedo que me mostrara as luzes da vida.

– Não me agradeça a mim! – exclamou, admirado.

– Devo agradecer a quem, então?

– Agradeça à natureza e à vida!

Sorri e voltei para casa mais rico, mais atento às luzes da vida e mais pintor!

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