O Carteiro que não recebia Cartas

  Desde pequeno que aqueles envelopes rectangulares o seduziam. Adorava ir à sua caixa de correio para desvendar o que ela escondia e era este mistério, o de não saber o que continham as cartas, que o fascinava. A maior parte das vezes tratava-se apenas de correspondência comum, como contas para pagar ou publicidade. Na sua opinião, esse era o tipo de correio mais desagradável e o que os seus pais recebiam sempre. O tipo de correio agradável eram as cartas que a sua irmã recebia, essas sim provocavam o verdadeiro mistério, pois ele nunca as conseguira ler. Eram cartas de amigas e outras de admiradores, pois nessa altura parece que estava na moda enviarem-se cartas - hoje nem por isso!-, mas mesmo assim, ele nunca recebera nenhuma e isso provocara-lhe um tremendo desgosto.
  Um dia, ao recolher o correio pelas mãos do carteiro, o rapazito disse:
"Um dia, vou ser carteiro como o senhor!"
"Então e porquê?"
"Para receber as minhas cartas de amor."
  O carteiro riu-se da ingenuidade infantil do rapaz e prosseguiu o seu trabalho. Os seus pais continuaram a receber o tal correio desagradável e a irmã o agradável. O rapaz alegrou-se quando recebeu a sua primeira correspondência por ter subscrito uma revista de jogos, mas mesmo assim continuava incomodado. O que ele queria mesmo era receber uma carta de alguém. Mas como? 
  Uns anos mais tarde, já na sua adolescência,, decidiu tomar a iniciativa de escrever uma carta a uma colega de quem gostava. A partir daí, soube que tinha mesmo de se tornar carteiro, pois nunca obteve resposta. Considerou então que deveria haver algum problema no mundo dos carteiros e que ele teria de o resolver. Por que será que nunca chegam cartas dessas, as agradáveis, para mim?
  Tornou-se então carteiro e sempre adorou o cheiro do papel e o tocar nos envelopes rectangulares e misteriosos. Amava colocá-los na caixa do correio, mas gostava ainda mais quando os entregava cara a cara. O olhar de mistério de alguns por não estarem à espera de receber algo; o olhar ansioso de outros por saber novidades; e até o olhar sobressaltado e sobrecarregado de muitos, porque - tal como os seus pais- só recebiam correio desagradável e sabiam que as novidades não eram das melhores.
  E foi assim vivendo este carteiro que, desde menino, tinha este sonho de receber uma carta, pelo simples prazer de a abrir, de a ouvir a descolar-se, para lhe revelar o seu conteúdo. Ainda hoje este carteiro espera que esse dia chegue com a mesma ansiedade de criança, e ainda hoje ele sabe que aquela desculpa de adolescente de que se calhar houve algum problema de entrega, não é uma boa desculpa... É assim, e assim tem de ser: um carteiro condenado a não receber cartas que não desiste de ser feliz, entregando-as.



Comentários

  1. O blog está fantástico e escreves mesmo muito bem!!!

    Segui*

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  2. r: Ahh espero que não seja o meu caso mas...4 anos ou não sei que vai valer a pena!!
    Awww muito obrigada!!

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