O Desabafar do Piano

  Ouço a batida constante desta música que toca sem parar e que me apaixona.
  É o piano que canta e desabafa. Sou eu que ouço o seu desabafo e ele agradece que eu o faça,porque poucos o conseguem entender. Ele começa por tocar suavemente, como se desabafasse num sussurro. Percebe então que não é entendido por quem passa na rua e finge que o ouve. O seu som suave fica mais agressivo com ânsia de ser ouvido e entendido. Aí, eu ouço o seu lamento e vou acudi-lo. Ele agradece novamente e desabafamos os dois num transbordar de notas, agudas e graves, dós naturais ou lás sustenidos; mas sem nenhuma pausa enquanto a música transborda pelas colcheias obesas e pelas semínimas esqueléticas.
  O nosso desabafo vai longo e nunca me canso de ouvir a batida constante desta música que toca sem parar e que me apaixona.
  O piano confessa-me todas as suas angústias. Sofre por estar longe de quem ama e descarrega o seu sofrimento nas teclas inocentes que não se queixam - por estranho que pareça - da agressão constante que sofrem para produzirem o som que desabafa. Não se queixam porque sabem que o piano sofre e não o querem chatear mais com isso. Ele que continue a desabafar...
  Eu continuo a ouvi-lo, sem sequer lhe tocar. Os seus lamentos musicais transbordam saudade, de palavras que não foram ditas, de outras tantas que estão por dizer e outras mais que nunca serão ditas.
  Decido então acariciar o pobre piano apaixonado que parece não sossegar. A música continua, cada vez mais ritmada, a pedir pela sua outra metade ou pela pauta musical que ficou perdida algures na sua alma.
  Mas esta saudade que o perturba não pode ser resolvida. Então ele procura fazer de tudo para afastar esta dolorosa chama que o queima de noite e de dia. Por isso, toca de dia e de noite, desabafando com as notas. A noite é quem melhor o entende. As estrelas ouvem-no assim como a Lua, que sente o mesmo pelo seu velho amado Sol: a Saudade.
  Este piano hoje já é velho e não se cansa de tocar nas mesmas teclas já gastas. Ele toca e eu continuo a ouvir a constante batida da sua música que toca sem parar e que me apaixona. Ele toca assim porque é a sua única forma de chorar. Em vez de lágrimas, surge a melodia, num choro suave que a lua tão bem conhece e que eu não consigo fazer parar.


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