O mundo pode ser perfeito?

  Ao descer a rua, caminhando até ao meu destino, observei, ao longe, um caixote do lixo enorme e verde. Um senhor, de fato de treino já velho e sujo e de gorro na cabeça, debruçou-se para dentro do contentor. Tinha um saco na mão, talvez o seu único pertence na vida. De dentro do caixote tirava restos de comida, sandes com poucas ou muitas trincas e tudo o que lhe permitisse sobreviver; desde que desse para passar aquele dia... Com a sua mão, continuou a remexer no contentor. Não consegui ver a sua cara, pois não estava incomodado com o facto de o observarem a retirar objectos do lixo. Não sei se era velho ou novo, se estava com uma expressão esfomeada ou de desespero; provavelmente estava.
  Continuou a sua tarefa como se fosse para ele algo habitual; e de facto, era algo essencial no seu dia-a-dia. Por isso, este mendigo não olhava para as ruas com vergonha de ser visto como um perturbador ou vagabundo. Talvez já tenha sido um mendigo com vergonha, mas o hábito tornou-o implacável na sua missão: sobreviver. Na verdade, acho que a vida o foi tornando implacável, aos poucos, porque é isso que a vida nos faz: molda-nos à realidade.
  Continuei o meu caminho por ruas diferentes,a pensar na crueldade que é o ser humano ter de se rebaixar ao ponto de comer o que é lixo, apesar de, no fundo, ser comida. Continuei a andar interrogando-me se seria capaz de o fazer. Acho que todo nós seríamos capazes, por mais que queiramos dizer o contrário. E, nesse momento, a nossa dignidade é posta em causa por nós próprios. Nesse momento, pensamos se fazê-lo é ser um ser humano. Por um lado, surge o nosso instinto de sobrevivência.  Por outro, surge indignação de sermos obrigados a tal acto. É uma desumanização completa, estando nós no mesmo patamar de um cão abandonado que procura restos no lixo. Neste momento, olhamos para o cão e para o mendigo a vasculhar nos contentores e não vemos grandes diferenças; apenas na forma e no pensar, um racional outro irracional, mas os seus instintos são os mesmos.
  Digam-me se isto é ser Humano? Para muitas pessoas é e não é algo que pretenderam para as suas vidas.
  Digam-me, isto é vida? Para muitas pessoas é e vivem nessa realidade com dureza e desilusão nos rostos, pois vieram ao mundo com ilusão de um futuro. Vieram ao mundo a pensar que seria impossível certas coisas desumanas serem impostas a um Humano, como comer os restos de comida de outros, como se fossem insectos ou larvas. Vieram ao mundo inocentemente, todos nós viemos, e caíram na armadilha que lhes retirou toda essa inocência infantil e utópica que muitos de nós temos em criança: de que o mundo pode ser perfeito.


Comentários

  1. Conheço um caso assim na minha rua. Confesso-te que fico com o coração despedaçado cada vez que vejo. Mas também te confesso que, não tenho dúvidas que, para sobreviver, faria o que parece desumano. Mas faria...gostando de viver como gosto, sujeitar-me ia a determinadas coisas. Isso não significa que perca dignidade, apenas que estou a lutar pela minha vida, no sentido literal da palavra. Nunca desistiria.

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